27 junho 2007


Cais
Milton Nascimento/Ronaldo Bastos

Para quem quer se soltar invento o cais
Invento mais que a solidão me dá
Invento lua nova a clarear
Invento o amor e sei a dor de me lançar
Eu queria ser feliz
Invento o mar
Invento em mim o sonhador
Para quem quer me seguir eu quero mais
Tenho o caminho do que sempre quis
E um saveiro pronto pra partir
Invento o cais
E sei a vez de me lançar

25 junho 2007

“É assim porque escolhemos viver na montanha-russa...”, ele disse. Era de uma clareza estranha, talvez eu começasse a me ver de fora. O olhar que eu buscava estava em mim, assim como o filme que se assiste no momento da morte... os momentos indo como a coluna se recompondo vértebra a vértebra e um fio dourado as puxando, alinhando o que sustenta. Talvez da forma inversa, mas talvez seja assim... da transcendência à solidão à liberdade ao encontro ao retorno à luz ao natural. Ir para voltar e dar o desfecho e o sentido e o sabor de um instante que se prolonga, a vida ávida. Eu era tocada, assim como tudo mais que é criado por mãos que tateiam dando a forma..., e tudo é. Se o tudo existisse, poderia ter o meu nome e ser aquele dia... mas faltou você.

21 junho 2007

Sonhou que era cicatriz.
Mas a ferida não fecha, dói.
Inflamada e infeccionada, pulsando,
com a ilusão incômoda de que doer é sentir.
“Sinto muito”, disse.
Talvez isso: doida da vida e doída dos sonhos.
UM PATO FEIO

Mas foi no vôo que se explicou seu braço desajeitado: era asa. E o olho um pouco estúpido, aquele olhar estúpido dava certo nas larguras. Andava mal, mas voava. Voava tão bem que até arriscava a vida, o que era um luxo. Andava ridículo, cuidadoso. No chão ele era um paciente.

Clarice Lispector, em "Para não esquecer"

18 junho 2007

.
.
.
dessas coisas que me intrigam:
.
POR QUE NO CONTRA-FLUXO TUDO FLUI?
.
.
.

16 junho 2007

"Falta tanta coisa na minha janela
Como uma praia
Falta tanta coisa na memória
Como o rosto dela
Falta tanto tempo no relógio
Quanto uma semana
Sobra tanta falta de paciência
Que me desespero
Sobram tantas meias-verdades
Que guardo pra mim mesmo
Sobram tantos medos
Que nem me protejo mais
Sobra tanto espaço
Dentro do abraço
Falta tanta coisa pra dizer
Que nunca consigo

Sei lá,
Se o que me deu foi dado
Sei lá,
Se o que me deu já é meu
Sei lá,
Se o que me deu foi dado ou se é seu

Sei lá... sei lá... sei lá....

Vai saber,
Se o que me deu , quem sabe?
Vai saber,
Quem souber me salva
Vai saber,
O que me deu, quem sabe?
Vai saber,
Quem souber me salva..."


Sobra tanta falta
Teatro Mágico

15 junho 2007

fantasma ou estrela:
você escolhe o nome
pr’aquilo que existe
no lugar do que morreu

os fantasmas assombram
as estrelas iluminam
o sono e o sonho
de quem pensa
que esqueceu

tudo o que vai, fica:
brilhando ou assustando
aquilo que a morte,
de presente,
para a vida deu

12 junho 2007

Sua voz a constrangia, por isso permanecia calada. Não se atrevia a quebrar o silêncio. Nada, nada poderia quebrar. Ao redor, tudo cristal- o barulho todo cristalizado: o silêncio. Calada, ouvia vozes fundidas. Fluía truncada, trocada por ela, por ele, “essas trocas fáceis...”- como se fosse fácil trocar. Sabia que não e compreendia, como se compreender a tornasse mais real, mas sabia que não e calava. Muda, queria também não ter olhos e queria não ter modos e formas: e fundir, fugir, latir- como um cão sem dono, sua forma original. Entre gente correndo incerto comendo credos restos com dentes com medo, completo.

11 junho 2007

E no meio da ebulição pansexual, o feminino se revelou:
“Coloca a sua cigana pra dançar que ela é linda...”
E a minha pomba-gira celebrou.


-Mas se você é parte de mim, eu sou maior do que você...



***


ACOLHEDORA


ela-colher
sorve
a sorte
de ser mulher

07 junho 2007

.
.
.
MUDANÇA
.
nua na dança
ela-muda
feito criança
.
.
.

04 junho 2007


Calados
Pés descalços
Perseguem
O risco
E o riso
Atravessando
A corda
Que bambeia
Um coração
Calejado

01 junho 2007

“PORQUE A COBRA
JÁ COMEÇOU A COMER
A SI MESMA PELA CAUDA,
SENDO AO MESMO TEMPO
A FOME E A COMIDA”


Tom Zé
em “Complexo de Épico” (1973)

_

e você me salvou
ao me ferir
que somos dois
enquanto eu,
algumas só