30 outubro 2006

A esperança é um inseto
Que pica e envenena
A esperança voa
Mas não com a mesma beleza
Que os pássaros e as borboletas
A esperança é uma mosca tsé-tsé
Que contamina com a doença do sono

25 outubro 2006

Sua enorme inteligência compreensiva, aquele seu coração vazio de mim que precisa que eu seja admirável para poder me admirar. Minha grande altivez: prefiro ser achada na rua. Do que neste fictício palácio onde não me acharão porque- porque mando dizer que não estou, “ela acabou de sair”.



“Acabou de sair”, Clarice Lispector
em “Para não esquecer”

22 outubro 2006

Meu coração tá batendo
Como quem diz não tem jeito
Zabumba, bumba esquisito
Batendo dentro do peito
Teu coração tá batendo
Como quem diz não tem jeito
O coração dos aflitos
Pipoca dentro do peito
Coração bobo, coração bola
Coração balão, coração São João
A gente se ilude dizendo
Dizendo já não há mais coração

'Coração bobo', Alceu Valença

19 outubro 2006

Dentre tantos mundos, o meu eu escolhi
Mundo meu, mando eu
Fugindo, aprendi que não há saída
Já estou no lugar para onde eu quero ir
Mundo cão, além-mundo
Mundo mudo, cego, surdo
Mundo puro, mundo puto
Mundinho medíocre, ‘mundão’
Criado
Sagrado
Imanente
Transcendente
Mundo meu, mundo seu, mundo nosso
Mundo plano, mundo redondo
Mundo planeta
Terra, fogo, água, ar
Mundo carne, sangue, ossos, fluídos
Mundo-muda
(O mundo muda)
mundo EU, meu deus!

17 outubro 2006

Lembrei da mulher na China
que se sentia acariciada
com o pouso de uma mosca
em sua pele.
Tive vontade de chorar.

16 outubro 2006

“Não precisamos de satélites
Quem carece de cabos?
Ondas invisíveis?
Pra quê?
Pra quê?
Eu só preciso
Das minhas pernas
Pra chegar até você
Mas eu só
preciso
das minhas pernas
Pra chegar...
Até você
Pra processar minha mensagem
Só ouvidos não bastam
Eu quero que você veja
Mais do que o outro vê
Você não me desliga
Eu não desligo você...”

Ouvindo “Ligação direta”, Mundo Livre S/A

É só o calor voltar para eu não conseguir ficar aqui dentro... para onde ir?
Saí por aí, reencontrei algumas das minhas fantasias
O ar quente, mormaço, o sol que esquenta e queima
Pele à mostra, corpos pedindo proteção
Crianças na beira d’água, sorriso pueril
O pensamento voa, como o avião que ultrapassa as nuvens
“O céu, o sol, o mar”, a música que não desgruda do ouvido e faz lembrar o verão
Verão, ócio, futuro
Reencontrei algumas das minhas fantasias
Vontade de me esconder no mato, de ser livre à beira mar
“Tudo é tão simples, não?! A gente que complica...”
A tentativa de camuflagem na natureza, de fusão com os instintos naturais
De fugir retornando ao original
“O quê?! Não entendi...”
Abro o jornal, alguns filmes em cartaz
‘Pintar ou fazer amor’ que, segundo a crítica, são duas formas de reencontro com a natureza (talvez... eu penso, “hoje eu não quero pensar”)
O concreto não absorve a chuva
Concreto, concreto
“Abstrai isso, vai...!”
É melhor eu sair por aí, mesmo...

11 outubro 2006


René Magritte
Quem liberta o furacão?
Desamarra o mar da praia?
Desarruma o rumo, entorta o prumo,
Erra sem destino, amor?
Quem desata o céu da terra,
Desfere a flecha, rasga o ar?
Tire a luz da treva, razão aterra,
Erra, desatina, amor?
Quem move o mundo apenas sendo

Sentimental

Quem me tira o chão dos pés?
E movimenta as marés, quem
Semeia o pé de vento do pensamento,
Erra sem destino, amor?
Desintegra o grão na terra,
Desagrega o coração,
Tira o véu dos olhos,
Desperta os poros,
Erra, desatina, amor?
Quem move o mundo todo apenas sendo

Sentimental

Quem desarrazoa, quem
Abraça o rio, arrasta o raio, quem
Avassala o medo, repete o erro,
Erra sem destino, amor?
Faz qualquer coisa de mim,
Quebra a pedra com seu sim,
Arrepia o pelo,
Derrete o gelo,
Erra, desatina amor?
Quem move o mundo todo sendo

Sentimental

Sentimental (Lenine/ Lula Quiroga/ Arnaldo Antunes)

10 outubro 2006

Para se estar perto, uma certa distância
Distâncias que limitam
Limites que demarcam
Fronteiras do confronto, da divisa, do encontro
Encontros que ultrapassam a barreira
Barreiras entre o mundo e o não-mundo
Entre o eu e o não-eu
Entre o eu e o outro
Barreiras que esbarram nos limites,
tentativa de invasão das fronteiras
O confronto entre dois, entre muitos, entre um
A guerra inevitável,
terrivelmente bela
Uma certa distância, para se estar perto

06 outubro 2006

Era tudo tão... que...
Não cabia em alguma compreensão, impossível de ser apreendido
Era-lá, era-ela, era-tudo-assim... tão...
Um susto bom, um frio na barriga... e o calor
O calor do escuro, do fechado, do calado
O escuro do que não se pode ver porque não se quer
Porque a luz apaga o que a sua ausência ilumina
O breu aceso, isso...
Um susto que não cessa, a espera do condenado pela execução
O desejo da Morte
Morte da luz que ilumina
O acesso à escuridão que liberta
É tudo tão... que...

02 outubro 2006

Resposta ao Tempo
Aldir Blanc/Cristovão Bastos

Batidas na porta da frente é o tempo
Eu bebo um pouquinho pra ter argumento
Mas fico sem jeito, calado, ele ri
Ele zomba do quanto eu chorei
Porque sabe passar e eu não sei
Um dia azul de verão, sinto o vento
Há folhas no meu coração é o tempo
Recordo um amor que perdi, ele ri
Diz que somos iguais, se eu notei
Pois não sabe ficar e eu também não sei
E gira em volta de mim, sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro sozinhos
Respondo que ele aprisiona, eu liberto
Que ele adormece as paixões, eu desperto
E o tempo se rói com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor pra tentar reviver
No fundo é uma eterna criança
que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder me esquecer
No fundo é uma eterna criança
que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder me esquecer


(um brinde ao acaso)